terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A Personificação do Mal





Como caíste dos céus, Ó astro brilhante, Filho da Aurora?

Como foste abatido por terra, Ó dominador das nações?







A era moderna oculta o demónio da mensagem pública. A sua existência é negada, embora proliferem as sociedades secretas, os filmes de terror, de canibalismo, de vampiros e de feiticeiros, do próprio demónio, a estética gótica, a remoção de tudo o que se refere a Deus nas escolas, a mudança do próprio nome dos hospitais. No meio universitário, o discurso “main stream” é não admitir a sua existência, embora seja conhecida a influência que as sociedades secretas exercem em todo o edifício educacional, onde o espírito de serviço foi substituído em grande medida pela sua marca: o orgulho e  auto-suficiência; o "Eu". Assume particular gravidade a assunção por muitos católicos desta perspectiva, aliás em discordância com a sua própria religião e com as outras religiões monoteístas, o judaísmo e o islamismo.

Vários Papas alertaram a comunidade católica para esse processo de ocultação, de camuflagem.  
Vários autores convertidos ao catolicismo, como Clive Staple Lewis e Gilbert Keith Chesterton, alertaram a comunidade católica para a existência do demónio.

É verdade que a demonologia não é o cerne da nossa fé. O cerne da nossa fé reside no Evangelho e na nossa relação com Deus e com o outro homem. Mas é igualmente verdade que o homem é sujeito à tentação e ao mal, muitas vezes sob forma de bem. E que admitir a diferença entre Bem e Mal, a realidade da Queda que assentou na liberdade, no livre-arbítrio, pode elucidar o homem sobre o perigo do orgulho e do poder auto-destrutivo do ódio. 

O mal existe, não é apenas uma ideia. O homem escolhe-o livremente, pois o mal não tem o poder de “obrigar” mas sim de “seduzir”. O mal não tem poder criador – God makes, the Devil mocks - o mal é uma realização inteiramente espiritual. Porém, o seu poder intrínseco está para além da força humana e só pode ser combatido quando o homem humildemente reconhece a sua inferioridade e apela à ajuda dos santos, dos anjos, da Santíssima Virgem Maria. Como explica o padre exorcista José Antonio Fortea, no seu excelente livro, Summa Daemoniaca, o demónio não existe no tempo, pelo menos no nosso tempo. A sua posição está completamente definida e consolidada; contrariamente ao homem, não existe possibilidade de arrependimento ou de retorno. A sua posição encontra-se fixa na eternidade, da qual o nosso tempo é apenas um fragmento como um pequeno excerto de uma longuíssima metragem. Portanto, toda a conversa é apenas engodo.

A razão dessa discrepância de força reside no facto de que os anjos, e também os anjos caídos, são seres puramente espirituais. Eles não têm fome, nem sede, nem dor, nem cansaço. Embora não adivinhem o futuro, não sejam omniscientes, nem omnipresentes, têm uma percepção do jogo todo. Essa percepção resulta do facto de acompanharem diversas almas em diversos locais e épocas, fazendo cálculos probabilísticos que se tornam quase antecipações do futuro, porque conhecem bem a personalidade de cada um desde o nascimento e têm dados quase infindáveis sobre o perfil psicológico de milhões de homens.

Não desistem dos seus propósitos. São tenazes e persistentes. Oferecem bens materiais e gáudio público, mas procuram objectivos puramente ideológicos, morais, espirituais. Os líderes de opinião são particularmente vulneráveis, porque aspiram ao dinheiro e reconhecimento social; são particularmente úteis porque permitem uma pesca de arrasto e não à cana. Os mass media tiveram o efeito de amplificar este fenómeno. Comecemos pois, por Chesterton:


“Não é fácil ser-se leve, não é fácil ser-se humilde, combater o Orgulho, rir-se de si próprio. O Orgulho torna a vida seca como palha, combate o cavalheirismo, é árido, seco, hipócrita e cínico. É uma fraqueza de carácter. E sobretudo não suporta a graça e a troça, o desprendimento, o asceticismo, porque libertam do servilismo e da obediência cega. O orgulho não pode levitar, o orgulho é o reverso negativo de todas as coisas. Abandona o auto-desprendimento que levita e encerra-se numa auto-suficiência sisuda que cai. O homem cai para uma sala castanho-escuro mas sobe para um céu azul e branco. A sisudez não é uma virtude. É uma heresia, um vício. A solenidade flui espontaneamente do homem, a graça é uma iluminação. É fácil ser-se pesado, difícil ser-se leve. Satanás caiu pela força da gravidade.”

“É possível que estes modernos tenham absorvido coisas vividas há milhares de anos, quando faziam sacrifícios humanos em florestas negras e cruéis em que invocavam os seus deuses na escuridão. O seu agnosticismo é, provavelmente, mero paganismo. O seu paganismo, como em tempos remotos é mera adoração pelo demónio. Decerto Schopenhauer não poderia escrever o seu ensaio odioso sobre as mulheres se não pertencesse a um país que esteve em tempos cheio de escravos e de rituais do demónio. É possível que estes modernos nos andem a enganar, pela dissimulação. Que escondam no seu palavreado científico coisas que eles já conheciam antes da ciência ou da civilização.” (Chesterton prefacia Gorki em Creatures that once were men, 1926).


“Todas as religiões têm em si qualquer coisa de bom, mas o bom, a sua mesma realidade própria, a humildade e o amor, a ardente gratidão a Deus, não se encontra nelas. Quanto mais profundamente as conhecemos, e até quanto maior reverência por elas sentimos, mais claramente o compreendemos. No mais profundo delas encontra-se qualquer outra coisa que não é o puro bem; encontra-se a dúvida metafísica acerca da matéria, ou a voz forte da natureza, ou, no melhor dos casos, o temor da lei e da divindade. Se estas coisas se exageram, surge uma deformação que pode ir até à adoração do demónio.” 



"O Mal reentra no mundo quando o que o mundo nos propõe é apenas a viagem e nenhum objectivo. O Mal é persistente e propõe-nos a incapacidade de tomar uma decisão, de viver seguindo-a, e de morrer por ela. A certeza na incerteza que paralisa a mente e a cultura." Chesterton on Stevenson, 1927

Paulo VI: “Pensava-se que depois do Concílio o sol brilharia sobre a História da Igreja. Mas em vez do sol, apareceram as nuvens, a tempestade, as trevas, a incerteza. Como se pôde chegar a esta situação? – Interveio uma potência hostil. O seu nome é o Demónio. Nós cremos num ser preternatural que veio ao mundo para perturbar a paz. O fumo de Satanás penetrou por alguma fenda no templo de Deus. Uma das maiores necessidades da Igreja é defender-se desse mal que designamos por Demónio, esse ser vivente, espiritual, pervertido e perversor, realidade terrível, misteriosa e temível.”

E prossegue:

“Separam-se da Igreja e do ensinamento bíblico aqueles que negam reconhecer a existência do diabo ou aqueles que, por influência maniqueísta e gnóstica, lhe reconhecem um princípio autónomo que não tem, como todas as criaturas, a sua origem em Deus. E também todos aqueles que o explicam como uma pseudo-realidade, uma invenção do espírito humano, para personificar as causas desconhecidas dos nossos males.”

E conclui:

“ É o inimigo oculto, o sedutor pérfido e obstinado que sabe insinuar-se em nós através dos sentidos, da imaginação, da concupiscência, da lógica utópica, das relações sociais desordenadas, para induzir nos nossos actos desvios muito nocivos que parecem corresponder às nossas estruturas físicas ou psíquicas ou às nossas aspirações profundas.” Mt 24,13; 13,24-30; 36,43.

Para S. Tomás de Aquino, o Príncipe deste mundo, Jo 12,31; 14,30; 16,11 - mundo no sentido de todos os homens que se recusam servir a Deus, 2 Cor 4,4 e Job 41,25.



Leão XIII em Dezembro de 1884 elaborou o “Manuscrito da oração ao Arcanjo S. Miguel” após uma visão de demónios a atacar a cidade eterna, Roma.



João Paulo II, 23 de Julho de 1986: “Os outros anjos, servindo-se da sua liberdade criada, fizeram uma escolha tão radical e irreversível como a dos anjos bons, mas diametralmente oposta: em vez de uma aceitação de Deus cheia de amor, opuseram-lhe uma recusa inspirada num falso sentimento de auto-suficiência, de aversão, de ódio, que se transformou em rebelião.”
Ainda João Paulo II, Encíclica sobre a Bem Aventurada Virgem Maria, Gaudium et spes, 37: “…duro combate contra as potências das trevas que se trava ao longo de toda a história humana.”
João Paulo II na resposta ao padre Pellegrino Ernetti: “Quem não acredita no demónio não acredita no Evangelho!”


João Paulo II, Maio de 1991, JMJ, Ilha da Madeira: “A táctica que Satanás utilizou e continua a utilizar consiste em não se revelar, para que o mal que se desenvolveu desde as origens se desenvolva pela acção do próprio homem, por meio dos sistemas e das relações entre os homens, entre as classes e as nações, para que o mal se transforme cada vez mais num pecado estrutural e cada vez menos num pecado pessoal. Satanás actua sobretudo na sombra para passar despercebido. Actua através dos homens e das instituições, sobretudo as educativas.”



Trata-se, portanto, de um combate. E o que faz o inimigo num combate? A camuflagem e a sedução ou propaganda. Aqui residem os dois erros de quem trava este combate, a humanidade: a negação da existência do Demónio e a sua adoração, a tentativa de o conhecer melhor pelos próprios meios humanos. Dois erros trágicos e comuns. Assim se perde uma guerra sem ter sequer a noção da sua existência.



Bento XVI: “A falsidade é a marca do Demónio… O tentador é insidioso: não impele directamente ao mal, mas a um falso bem, fazendo crer que as verdadeiras realidades são o poder e aquilo que satisfaz as necessidades primárias. Propor directamente o mal seria grosseiro. Deus torna-se secundário, fica reduzido a um meio, em última análise torna-se irreal, deixa de contar, dissipa-se. Em última análise, nas tentações está em jogo a fé, porque está em jogo Deus. Nos momentos decisivos da vida – mas, bem vistas as coisas, em cada momento – estamos perante uma encruzilhada: queremos seguir o nosso eu ou Deus – o interesse individual ou o verdadeiro Bem, aquilo que realmente é bom?” Angelus, 13.02.2013




Como é então a tipologia do Inferno, como foi mostrado em Fátima pela Virgem Maria?
Ouçamos Clive Staple Lewis que começa por demonstrar que o maniqueísmo gnóstico é um erro, uma heresia:

“A mais comum das questões é se eu admito mesmo a existência do Diabo. Ora, se por Diabo o inquiridor quer dizer a existência de um poder oposto a Deus e, como Deus, auto-existente desde a eternidade, a resposta é sem dúvida, não! Nenhum ser não-criado existe além de Deus. Deus não tem nenhum ente que lhe seja oposto. Nenhum ser poderia jamais alcançar uma tão "perfeita maldade" que se opusesse à perfeita bondade de Deus. Quando, pois, se tirasse a esse ser oposto todas as espécies de coisas boas: a inteligência, a vontade, a memória, a energia e a existência própria, nada mais lhe restaria.

A pergunta mais cabível é: Se eu admito a existência de diabos. Admito-a, sim. Isto quer dizer o seguinte: Creio na existência de anjos e admito que alguns destes, pelo abuso do livre arbítrio, se tornaram inimigos de Deus e, por decorrência desse facto, também são nossos inimigos. A tais anjos podemos chamar diabos. Não diferem, quanto à essência, dos anjos bons, mas a natureza deles é depravada. Satanás, o líder ou ditador dos diabos, não é um ente oposto a Deus e, sim, ao arcanjo Miguel. Está em consonância com o sentido claro das Escrituras, com a tradição do Cristianismo e com o modo de crer da maioria dos homens, através dos tempos. Alem do mais, esta opinião não colide com coisa alguma que qualquer das ciências tenha demonstrado como verdadeira.” 

Lewis continua, dizendo que a representação dos demónios como morcegos e dos anjos com asas, apenas significa que os artistas humanos gostam mais de seres alados do que de morcegos ou vampiros. Asas significa rapidez intelectual sem impedimento algum, forma humana significa ser racional.


“Podemos imaginar o Inferno como sendo uma situação em que todos estão preocupados com conceitos como dignidade e progresso pelos próprios esforços, onde todos se sentem ofendidos, e se debatem tomados por paixões fatais como a inveja, a vaidade e o ressentimento. Vivo nesta época de grandes e "brilhantes" administradores. Os maiores males já não acontecem nos perversos "redutos criminosos", que Dickens tanto apreciava descrever. Nem sequer nos hediondos campos de concentração. Nestes campos, apenas temos a visão dos resultados de outros males que foram praticados antes, causando estes mesmos campos. A verdade, porém, é que os maiores males e crimes são criados, arquitetados e executados em escritórios bem limpos, atapetados, refrigerados e bem iluminados por homens de colarinho branco, unhas bem cuidadas; estão sempre bem barbeados e jamais precisam de elevar o seu tom de voz.

Superficialmente, as maneiras são normalmente delicadas, pois um tratamento rude para com o seu superior seria suicídio; e quando um superior falasse com um subordinado, se o fizesse com rispidez ou rudeza, isto faria com que os mesmos subordinados ficassem prevenidos antes que o chefe estivesse pronto para dar a "facada nas costas". Com efeito, "cobra come cobra" é o principio de toda a Organização Infernal. Todos desejam o descrédito, a derrota e a ruína de todos os outros. Em resumo, todos se tornam especialistas na propagação da falsidade e da traição. As boas maneiras, as expressões de cortesia e os "elogios formais" que trocam entre si pelos "inestimáveis serviços prestados" são apenas uma casca de todas estas coisas. De vez em quando, esta casca racha, e então aparece o caldo fervente dos seus ódios de uns pelos outros.

Os maus anjos (à semelhança dos maus homens) têm espírito puramente prático. Eles tem dois motivos para isso.
Primeiro: medo da punição. Assim como os países ditatoriais (totalitários, se preferirem) têm as suas prisões políticas e campos de concentração, da mesma forma, o Inferno que eu pinto contém infernos mais profundos, que funcionam como "casas de correção".
O segundo motivo vem de uma certa espécie de fome. Imagino que os demónios podem, no sentido espiritual, devorar-se uns aos outros, e a nós também.

Mesmo no contexto da vida humana, vemos a paixão dominar (quase mesmo devorar) uma pessoa a outra. Isto faz com que toda a vida emocional e intelectual do outro sejam a tal ponto apagadas que se reduzam a meros complementos da própria paixão. O indivíduo passa então a odiar como se o agravo fosse sobre si mesmo, devolver ofensas como se ele tivesse sido ofendido, enfim, tem a sua individualidade totalmente dissolvida, assimilando desta forma a do objeto da sua paixão. Embora na Terra chamem a isto  "amor", imagino que esteja longe do conceito de amor que Deus nos legou, 1 Cor 13. No Inferno, identifico este tipo de sentimento com a fome; e neste Inferno, a fome é mais feroz e a satisfação desta mais viável.

Não havendo corpos, o espírito mais forte pode realmente absorver o mais fraco, deleitando-se assim de modo permanente na individualidade destruída do mais fraco. É por isso que os diabos desejam conquistar espíritos humanos, bem como os espíritos uns dos outros. Também é por isto que Satanás anseia por todos os membros de seu exército, por todos que nascem de Eva e mesmo pelos exércitos do Céu. O sonho que ele acalenta é o do dia em que tudo esteja no seu interior, de modo que qualquer um que disser "Eu" só possa dizê-lo através dele. Poderíamos compará-lo à aranha inchada, em contraposição à bondade infinita segundo a qual Deus torna os homens em servos, estes servos em filhos, de modo a serem no final reunidos a Ele, não como "almas absorvidas", mas como indivíduos aprimorados, desfrutadores de todo o deleite e prazer que a presença de Deus proporciona.

Em síntese, Deus compraz-se em pedir ao homem a sua individualidade, mas tão logo o homem a cede, o maior prazer de Deus é devolvê-la aprimorada. Deus bate à porta, ao passo que o Diabo a arromba. O Espírito Santo enche, os diabos possuem.”

Adenda:

Livro de Isaías, Is 14,7-20:

''O Senhor despedaçou o bastão dos ímpios

e o ceptro dos tiranos,

ao que feria os povos com furor,

com golpes sem fim,

e sujeitava as nações com brutalidades,

sob um jugo cruel.

Toda a terra está em descanso e em paz,

em cânticos de alegria.

Até os ciprestes e os cedros do Líbano

se regozijam da tua queda:

«Desde que tu caíste

já não subirá o lenhador para nos cortar».

A morada dos mortos, lá em baixo, agita-se

para vir ao teu encontro.

Despertam em tua honra, as sombras dos grandes,

todos os senhores da terra,

e levantam-se dos seus tronos

todos os reis das nações.

Todos tomarão a palavra para te dizer:

«Também tu feito nada como nós,

igual a nós!

A tua glória desceu à morada dos mortos,

ao som das tuas harpas!

Jazes sobre um leito de gusanos,

e a tua coberta são os vermes.

Como caíste dos céus,

ó astro brilhante, Filho da Aurora?

Como foste abatido por terra,

ó dominador das nações?

Tu que dizias no teu coração:

subirei aos céus

estabelecerei o meu trono

acima das estrelas de Deus,

sentar-me-ei sobre o Monte da Assembleia,

na extremidade do céu;

subirei sobre o cume das nuvens

e serei semelhante ao Altíssimo.

O quê! Foste precipitado no abismo,

no mais profundo dos abismos!

...


Livro de Ezequiel, Ez 28, 13-18



Tu eras um modelo de perfeição,

Cheio de sabedoria,

De uma beleza admirável.


Estavas no Éden, jardim de Deus;

Cobrias-te de toda a espécie de pedras preciosas

Sardónica, topázio, diamante, crisólito, ónix,

Jaspe, safira, carbúnculos, esmeralda,

Cravejadas de ouro.


Tamborins e flautas estavam ao teu serviço

Desde o dia em que foste criado.

Eras um querubim protector,

Colocado sobre a montanha santa de Deus,

Caminhavas por entre pedras de fogo.


Eras irrepreensível na tua conduta

Desde o dia em que nasceste,

Até àquele em que a iniquidade apareceu em ti.


Com o aumentar do teu comércio,

O teu interior encheu-se de violência e pecados;

Por isso, Eu te precipitei da montanha de Deus,

E te fiz perecer, ó querubim protector,

No meio das pedras de fogo.


O teu coração encheu-se de orgulho

Por causa da tua beleza.

Arruinaste a tua sabedoria

Por causa do teu esplendor.


Lancei-te por terra

E entreguei-te por espectáculo aos reis.


Pelas muitas faltas

E desonestidades em teu comércio,

Profanastes os teus santuários;


Por isso fiz sair de ti fogo para te devorar.



António Campos





Bibliografia:

Chesterton: Hereges, Ortodoxia, Os Disparates do Mundo, Illustrating London News

C.S. Lewis: Screwtape Letters, 1960

Jose Antonio Fortea: Suma Demoníaca, Paulus editora, 2010

Georges Huber: O diabo, hoje, Quadrante, São Paulo, 1999

Michele Dolz e Paolo Franciulli: O Anti-Cristo, Quadrante, São Paulo, 2001









domingo, 17 de fevereiro de 2013

1001 Tons de Cinza


Diz-nos Chesterton que os habituais críticos do cristianismo não estão realmente fora dele. Um rapaz que sempre viveu numa quinta, junto da sua casa e das suas vacas, numa qualquer montanha da Europa ou da América, tem uma outra perspectiva da sua própria quinta, ao avistá-la de uma montanha, suficientemente distanciada para ainda a vislumbrar, embora quase não divisando a sua própria casa. A casa e a quinta, grandes demais para poderem ser observadas pelo olhar de perto, estão agora, observadas de longe, visíveis na montanha de que fazem parte. Perde o pormenor, mas ganha o contexto onde está inserido. Reganha o amor pela sua casinha ao vê-la assim ao longe, aparentemente frágil e pequenina. Há católicos que descobrem a sua casa sem nunca chegarem a sair, há outros que, recusando a sua casa, como primitiva e vulgar, a ela retornam depois de dela saírem.

Pois precisamente os críticos do cristianismo, pertencem à civilização a que o cristianismo serve de matriz, mas no caminho do afastamento de casa, caíram numa garganta entre as duas montanhas e deixaram de divisar a sua quinta de origem. Estes homens encontram-se em terreno controverso, duvidam das suas próprias dúvidas. Começam por endeusar a razão, mas ao intuir que se chega à Fé pela Razão, iniciaram o processo de desacreditar a Razão. A escola desconstrucionista francesa e a escola da teoria da crítica do cristianismo de Frankfurt, neomarxista, negam o valor da razão dizendo tratar-se de uma elaboração judaico-cristã. Negam a possibilidade de atingir a verdade. Negam o Bem e o Mal. Negam a liberdade de escolha. O seu dogma é frio, despersonalizado, cruel, niilista, vazio, nada...
“Os habituais críticos do cristianismo não estão realmente fora dele. Encontram-se em estado de reacção contra a tradição religiosa. Não conseguem ser cristãos nem deixam de ser cristãos de uma vez por todas. Continuam a viver à sombra da fé, mas perderam a luz da fé. O anti-clericalismo destes homens transformou-se numa atmosfera; uma atmosfera de negação e de hostilidade da qual não conseguem escapar: Queixam-se de que os eclesiásticos andam vestidos de eclesiásticos, como se fôssemos muito mais livres se os polícias que nos seguem ou nos apanhem andassem vestidos à paisana. Dizem que os altares são púlpitos de cobardes, por não se poderem interromper as homilias, mas não dizem o mesmo dos editores dos media, que seleccionam notícias, as truncam, ou ignoram, os “gate-keepers”. Um padre pode ser pontapeado ao sair da missa, mas esses editores que se escondem no anonimato, não. Publicam notícias idiotas a dizer que as igrejas estão vazias, sem irem ver quais as que estão realmente vazias. Sempre foram arautos da paz mundial, mas as suas ideias inumanas conduziram a humanidade à guerra e ao genocídio.
Ora, a melhor relação que podemos ter com o nosso lar espiritual é vivermos suficientemente perto para o amarmos. A segunda melhor, porém, é vivermos suficientemente longe para não o odiarmos. O melhor juiz do cristianismo é um cristão, o segundo melhor juiz será, por exemplo, um confucionista. O pior juiz é o cristão mal formado, que gradualmente se transforma num agnóstico mal disposto, enredado até ao fim numa batalha cujo começo nunca compreendeu, afectado por um tédio hereditário, já fatigado de ouvir o que nunca ouviu.” Chesterton in O Homem Eterno.







Chesterton diz-nos que São Francisco Xavier não conseguiu popularizar a Igreja Católica no Oriente, em parte porque foi acusado por outros missionários de ter representado os doze apóstolos com fatos e atributos chineses. E remata que é melhor serem julgados como chineses do que serem destruídos por iconoclastas como ídolos sem feições. Diz ainda que não pretende, como Francisco Xavier, dar-lhes a aparência de nativos, mas sim a aparência de estrangeiros. O que pretende destes críticos é que julguem a Igreja com o mesmo tipo de neutralidade com que julgam um pagode chinês. Que tratem os santos cristãos com a mesma neutralidade com que tratam os sábios pagãos.
“Estes críticos iconoclastas não são imparciais, pois o mundo está em guerra para saber se uma determinada coisa é uma superstição devoradora ou uma esperança divina. Ser imparcial é ter vergonha de dizer sobre o Lama do Tibete o que estes críticos dizem sobre o Papa de Roma; é não ter por Voltaire o mesmo ódio que eles têm pela Companhia de Jesus. É preferível passar por uma igreja como se se tratasse de um pagode do que permanecer eternamente no adro, sem conseguir entrar e sentar-se, ou sair e esquecer-se.” O Homem Eterno
É pelo facto de não se colocarem à distância que os críticos não se apercebem deste distanciamento. É por não estarem a olhar para as coisas com uma luz fria que não se apercebem da diferença entre o preto e o branco. É por se encontrarem num espírito de reacção e revolta que têm uma motivação para considerar que o branco é um cinzento e que o preto não é tão preto como o pintam.
“Encontram por toda a parte as gradações cinzentas do crepúsculo, porque estão convencidos de que se trata do crepúsculo dos deuses. Seja ou não o crepúsculo dos deuses, não é certamente o dia claro dos homens.” Chesterton, O Homem Eterno

“É muito provável que aquilo que súbita e enfaticamente nós descobrimos em livros científicos e em revistas de filosofia, eles tenham absorvido e vivido há milhares de anos, quando faziam sacrifícios humanos em florestas negras e cruéis, em que invocavam os seus deuses na escuridão. O seu agnosticismo é, provavelmente, mero paganismo. O seu paganismo, como em tempos remotos, é mera adoração pelo demónio. Decerto Schopenhauer não poderia escrever o seu ensaio odioso sobre as mulheres se não pertencesse a um país que esteve em tempos cheio de escravos e de rituais do demónio. É possível que estes modernos nos andem a enganar, pela dissimulação. Que escondam no seu palavreado científico coisas que eles já conheciam antes da ciência ou da civilização.” Chesterton prefaciando Criaturas que já foram Homens
António Campos
12 de Maio de 2010, Fátima

A vinda de Bento XVI a Portugal levantou entre muitos portugueses um aparentemente fundado receio quanto à sua popularidade e sucesso. Era uma quarta-feira, dia de trabalho, os portugueses não têm fama de literatos, embora tenham uma longa tradição de grandes escritores. Ao contrário, Ratzinger tem muitas das características do seu povo de origem, uma grande intelectualidade e uma certa timidez, embora esteja isento das piores, sobretudo do orgulho. Decidimos ir a Fátima por fé e por amor da sua pessoa. As cem mil pessoas na noite de 12 de Maio e depois na manhã de 13 de Maio foram para nós um espanto. Particularmente no dia 12, as claques de jovens, portuguesa e espanhola, cantando ao estilo britânico, como se estivessem em Wembley, de ambos os lados da capelinha das aparições. Que motivava tantos jovens? Certamente não tinham ido ver o Barcelona nem os Coldplay…É muito intrigante ou, como diria Chesterton, é um espanto!
 Partimos depois da missa da meia-noite para retornar na manhã seguinte. As mãos cheias de nada, o coração cheio de tudo. Na nossa mente sem nada temer, pois o nosso mundo é cheio de cor, de prados floridos, do sorriso das crianças. E quando o nosso comboio chegar, partiremos com alegria de volta à casa do Pai. Até lá, continuamos intensamente espantados, e até intrigados, por encontrar a Igreja Católica, “dois mil anos depois, avançando em direcção ao futuro como um raio alado do pensamento, com entusiasmo eterno, uma coisa sem rival nem semelhante, que continua a ser tão nova como é antiga.”- Chesterton
Anália do Carmo