sábado, 19 de outubro de 2013

KANT PARA PRINCIPIANTES- A Crítica do Juízo e Sucedâneos de Kant




“Senhor meu Deus, eu não passo de um adolescente que não sabe conduzir-se. Dai, pois, ao Vosso servo um coração sábio, capaz de julgar o vosso povo e discernir entre o bem e o mal”, Salomão49.



Após o juízo sobre o conhecimento e sobre a moral, Kant formula um juízo sobre o próprio
juízo, sobretudo estético (1790). Para Kant, juízo é um poder universal a que toda a gente se encontra ligada. Esta noção de juízo encerra a definição de belo e sublime, mas num sentido muito mais abrangente do que a mera arte. Num sentido que engloba um juízo sobre conceitos, religião, cultura, felicidade.


Para Kant, o juízo de belo não é sobre o prazer, sobre o carácter agradável ou desagradável de uma sensação, porque o gozo é sempre subjectivo e, portanto, não universal. "Não podemos ter a certeza que o cheiro de uma flor desperte em todos os indivíduos a mesma sensação"3.

(Kant sempre ignora que o cheiro a rosa tem para a maior parte os homens um sentido comum - Kant elabora o seu raciocínio sempre a partir do que existe de variável e, portanto, de particular, entre os homens, ignorando ostensivamente o que existe de comum. Kant vê o mundo com um olho só)50.

Esta terceira crítica, afirma a impossibilidade de formar conceitos. As ideias de verdade, justiça ou decência, são inoperantes nesta crítica. O belo é completamente subjectivo, pois não existe qualquer essência de belo.


As consequências deste modo de pensar tem reflexos profundos no nosso tempo, cuja análise se encontra bem patente no documentário de Roger Scrutton, “Why Beauty Matters?"51

Mais uma vez as suas ideias sobre a forma do juízo estético foram histórica e culturalmente condicionadas. A mente de Kant era escrava do seu tempo. Como formalista, afirma que cores e sons não definem a “forma” na natureza; apenas o desenho o faz. Como se Rubens (1577-1640) fosse um serviçal de Poussin (1594-1665).

Kant afirma que os juízos de maravilhoso apenas se podem fazer relativamente à natureza. Dá o exemplo do estalajadeiro brincalhão, que prega partidas aos hóspedes pedindo a um rapaz que imite o canto do rouxinol. Mas logo que os hóspedes se apercebem do logro, cessa o seu interesse3.
(Mais uma vez Kant olha a realidade apenas de uma face do prisma: deste modo ninguém adoraria a arte, nem seria considerada tão valiosa, pois ela é, em grande medida, uma representação da natureza, humana ou física).

Kant sublinha que a experiência do sublime, que encanta, não depende do objecto, mas apenas do sujeito. Daí concordar com a proibição de imagens sacras - Kant foi um refinado iconoclasta. “Essa proibição, essa exaltação pura e negativa da moralidade não encerra perigo de fanatismo, que se pode definir como a ilusão de querer ver algo para além de todos os limites da sensibilidade” – porque esse algo, o objecto, não existe.
(Compreende-se a fúria iconoclasta na Alemanha e Holanda, onde foram confiscadas igrejas, retiradas as imagens sacras e pintadas as paredes de branco).


Kant recusa que as coisas tenham sido criadas com uma finalidade, que a finalidade das coisas obedeça a uma relação causa-efeito. A erva não foi criada para ser comida pelos ruminantes, eles é que lhe encontraram essa finalidade. Kant afirma a tese de que a meta da raça humana não é a felicidade, mas sim a cultura. “Produzir num ser racional a aptidão geral para os objectivos que lhe agradam, na sua liberdade, isso é cultura.”


(Os oficiais SS, os dirigentes socialistas, os plutocratas, os mafiosos, as sociedades secretas, as minorias subculturais do nosso tempo, não poderiam estar mais de acordo).





JOB



Kant considerou Job um precursor do iluminismo: “Job renunciou ao direito de representar os motivos e os desejos de Deus"52.


(Kant omite que Job aceitou os mistérios de Deus, que o universo das perguntas de Deus era mais amplo do que o seu, que o universo se prolonga para além da razão humana. Job compreende que Deus proclame a liberdade da sua Criação. Job não julgou Deus, pelo contrário, aceitou os seus mistérios. Job é um optimista que acredita no princípio da causalidade, na justiça e na natureza humana. Job distingue claramente o bem do mal, o que é justo daquilo que não o é, daí a razão de ser das suas perguntas).




O iluminismo carrega o mote “Ousa saber!”, contrariamente ao homem imaturo cujo mote seria “Não penses, limita-te a cumprir ordens”.


Bom, o Ousa Saber de Kant é balizado pelo mote que elaborou para Frederico II: “Obedeçam e serão capazes de raciocinar tanto quanto quiserem!”.
Foi exactamente esta a atitude criticável dos amigos de Job.


O MAL

Para Kant existe um mal radical, que reside nos interesses egoístas de cada homem e que inquina, desde o nascimento, as próprias raízes do agir moral9. Para Kant, tal mal é incompreensível e impenetrável pela própria razão. Como uma origem racional do mal tenha que excluir a doutrina religiosa do pecado original53, resta admitir estar na racionalidade e na liberdade ética do homem a disposição para o mal. Mas isto levanta uma contradição insolúvel: como pode ser um legislador moral seguro aquele que contém em si a raiz do mal?

“Para nós não há nenhum fundamento compreensível do qual o mal moral possa pela primeira vez ter vindo até nós.”

Eliminada a noção cristã da superação do mal pela conversão, como é possível que um homem naturalmente mau se faça bom?
Este problema remete a razão a reconhecer os seus limites e a apontar para a possibilidade de uma existência sobrenatural, nos confins da razão. A razão não vê como o homem se possa erguer, por si, do mal, embora eticamente o deva fazer, nem como possa expiar as suas culpas. Kant conclui que aqui se manifesta uma surpreendente (mais uma!) antinomia da razão consigo mesma, que não pode ser resolvida teoricamente, pois tal questão ultrapassa todo o poder de especulação da nossa razão9,54.



KANT E A EDUCAÇÃO MODERNA55


“A finalidade da educação é a realização da liberdade através da universalização do pensar. Chegar às luzes significa combater a heteronomia no pensar.
Educar para a liberdade significa obedecer às leis, eliminando a individualidade e o direito natural, para transformar a sociedade num reino de igualdade."

(Se isto não é uma forma de totalitarismo…)

“O homem só se torna homem se for educado, ou seja, ele não nasce homem.
O homem por natureza não é um ser moral, mas torna-se moral pela educação."

(Portanto crianças e analfabetos não são seres morais, são imorais…)

“O esclarecimento é a saída do estado de menoridade para o estado de maioridade. O homem privado de uma educação adequada não sabe usar a sua liberdade e, consequentemente, confunde ou ignora o bem, exercendo o mal."
(Quem define o que é uma educação adequada? Como acreditar que os mais educados, numa sociedade kanteana, não praticam o mal?)

“A educação não deve ter em conta o momento presente mas seguir o estado futuro e melhor da humanidade.”
(Ignora-se o passado e o presente que existem e exalta-se um futuro, que ainda não existe, e que pode ter todas as direcções possíveis!)

“Quantos mais hábitos um homem possui menos livre e autónomo é.”
(São os hábitos, as rotinas da vida que asseguram a existência! A nossa vida é feita de hábitos: deitar, acordar, comer, vestir,…, até o trabalho é na sua maior parte rotina! Kant era maníaco de rotinas, portanto, pelas suas próprias palavras não era livre nem autónomo!)


KANT E SUCEDÂNEOS


- Hegel: “O arbítrio verdadeiramente livre é a vontade que se quer a si própria e à sua própria liberdade. O direito absoluto é o direito a ter direitos56.” Existe uma razão pública, baseada na obediência ao Estado e uma razão privada, baseada num livre-arbítrIo condicionado pelo dever.

- Marx: o imanentismo, a ideia de progresso, o mecanicismo moral e histórico, o homem iluminado pelo conhecimento alcança a liberdade da religião e de Deus. A autonomia da vontade relativamente ao conteúdo da lei moral. Dele diz Annenkow: "Na minha frente está um homem que domina e prescreve normas de conduta, um ditador democrático."

- Nietzsche: “O cepticismo de Kant engendra uma descrição crítica do conhecimento e da liberdade que leva inevitavelmente ao derrube da metafísica. (…) Kant tinha razão ao dizer que a estética é sensação e não conceito. (…) Kant foi a raposa, cuja força e esperteza, abriu a jaula para sempre.”

- Heidegger: “A coisa em si não é separável da consciência finita".

- Foucault: Influenciado pelo ensaio “O Que é o Iluminismo”, concorda com Kant quanto à separação do uso público e privado da razão. “A experiência humana é definida em termos de discursos, que funcionam através de um conjunto normativo de regras, cuja finalidade é distinguir o permitido do proibido, o normal do patológico. “Devemos separar-nos daquilo que temos para fazermos ou pensarmos mais do que aquilo que somos".

- Lyotard: “Como sugeriu Kant, com o conhecimento sujeito aos seus próprios limites, não existem princípios imutáveis de comportamento ético".

- Derrida: “Não existe nada fora do texto. Não há limites para a representação. Não existe qualquer modelo exemplar ou padrão segundo o qual se possa reproduzir a verdade".





(…)

A noite de 29 de Abril de 1937, seria, para Manuel García Morente, filósofo ateu, Professor da Faculdade de Filosofia de Madrid, estudioso e admirador de Kant, a noite de uma vida. Depois de ter ouvido Pavane pour une Infante Défunte, de Ravel, e L’Enfance du Christ, de Berlioz, o seu espírito perturbou-se. Este ateu neo-kanteano de Marburgo, depois fenomenólogo na linha de Max Scheler, ficou imerso na aura desta última peça musical e sentiu uma irreprimível e inexplicável necessidade de rezar.
Caminhou de um lado para o outro do quarto e, envolto numa extraordinária atmosfera, adormeceu na poltrona.

De súbito, pelas duas horas da manhã, acordou com a sensação de algo que estava iminente, algo de inaudito, de estranho e irrepetível. Ergueu-se de um salto. Abriu a janela para respirar o ar fresco da noite; e quando voltou o rosto para o interior do seu quarto…era Ele mesmo! (…) García Morente calcula que essa percepção de presença tenha decorrido por uma hora, mas a verdade é que a sua inefável felicidade passou num ápice.
Esta “percepção sem sensações” da presença de Cristo, foi um verdadeiro conhecimento experimentado, que este filósofo kanteano ateu transcreveu num memorial de setenta páginas57.

A partir daquele momento singular, nunca mais se referiria a Cristo como uma simples ideia, como um símbolo ou como um mito. A partir daquele momento único, para o qual não encontrou explicação, Cristo seria sempre um homem de carne e osso, que é simultaneamente Deus, Aquele que nos ama.

António Campos



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49 Bíblia sagrada, 1 Rs 3, 7-10. Difusora Bíblica, 9ª ed., Lisboa, 1981.




50 O que é característico destes filósofos que vêem o mundo com um olho só, é exagerarem o que há de peculiar em cada homem, ignorando o que é comum a todos os homens. Tomemos então o exemplo da impossibilidade de possuir o conceito do cheiro a rosa, apenas porque não estejamos seguros que todos os homens recolham da rosa o mesmo cheiro que nós recolhemos: a objecção a este pensamento reside no facto de que, por mais diferentes que sejam os diversos cheiros a rosa para cada homem, eles seguramente terão algo em comum que permitem que os homens os englobem numa categoria diferente de, por exemplo, o cheiro a peixe podre ou a éter. Quando falamos com qualquer homem mentalmente são, sobre um cheiro a rosas, a ele nunca lhe ocorre confundi-lo com um cheiro a peixe podre; de outro modo, não faria qualquer sentido as pessoas comprarem perfumes caros, bastaria escolher um, de forma estocástica, entre os mais baratos.




Chesterton diz, em São Francisco de Assis, 1926: “O mundo moderno tem um sentido mais subtil das coisas em que os homens não estão unidos; das variedades e diferenciações temperamentais que constituem os problemas pessoais da vida.”




E em Hereges, 1905: “O Sr. Wells decerto deve saber que, por existirem duas coisas diferentes, por certo haverá similares. A lebre e a tartaruga podem diferir na qualidade da velocidade, mas devem concordar na qualidade do movimento. Quando dizemos que a lebre se move mais rapidamente, dizemos que a tartaruga se move. A mais rápida das lebres não é mais rápida que um triângulo isósceles ou do que uma ideia cor-de-rosa. Ao dizer que uma coisa se move, afirmamos que outras não se movem. Por isso, ao dizer que as coisas mudam, afirmamos que existe algo imutável.”








52 Do Fracasso de Todos os Atentados Filosóficos à Teodiceia, 1791.




53 “Procurei o que era a maldade e não encontrei uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema – de Vós, ò Deus – e tendendo para as coisas baixas: vontade que derrama as suas entranhas e se levanta com intumescência.” Agostinho, Aurélio. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999.






54 Zuca S. Cristo na Filosofia Contemporânea. Paulus 2003, SP, Brasil, pp 49-53.




55  http://www.ecsbdefesa.com.br/fts/Educacao.pdf


"Mutila-se o significado da educação limitando-a à perspectiva do indivíduo. Educa-se à espécie e não a um homem singular. Uma vez que o destino natural do homem não decide a sua essência, é necessário que seja educado num contexto da humanidade como um todo."
(O que é isso da humanidade como um todo?)

"A disciplina obriga o homem, desde a mais tenra infância, a submeter-se às prescrições da razão, às leis da humanidade, que começa a fazê-lo sentir a obrigatoriedade das leis. É preciso cuidar da criança pela disciplina pois uma falha nesta orientação pode comprometer a sua conduta futura e levar o homem a submeter-se às orientações de outrem."


(Portanto uma pessoa é obrigada desde criança a ser educada pelos que controlam a educação e não teve liberdade de escolha – parece lavagem cerebral totalitária!)




56 Hegel, Filosofia do Direito, 1821.


57 Juan Roig Gironella, Gesú Cristo percepito sperimentalmente da un filosofo, in AA. VV., Il Cristo dei filosofi, pp. 317-324.




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