segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Chesterton Para Principiantes - Dialética: Fora dos Opostos


 

Chesterton pensa filosoficamente no sentido em que o seu pensamento se encontra impregnado de
uma lógica que é identificável, mas que se deve apelidar de uma lógica intuitiva, “de ver” em vez de uma lógica dedutiva, de demonstrar. Ele não pensa em pensar filosoficamente, i.e., ele não propõe nenhuma teoria ou método filosófico, ele simplesmente nos diz o que pensa sem nos dizer muito de como pensa ou como passou a pensar desse modo. Podemos no entanto detectar um método dialéctico no modo como escreve, embora ele nunca lhe chame tal coisa; nem sequer método. Mas Chesterton opõe-se claramente a Locke e a Hume, na tradição inglesa, e a Kant e a Hegel, na tradição alemã, por tentarem esconder a palavra espírito na palavra mente, tomando-as como sinónimas, o que significa despojar de sentido uma delas, espírito. Para ele a realidade espiritual não é metafórica, é a própria realidade. O espírito é como o vento que abana as árvores; o vento não é produzido pelo movimento das árvores. O homem encontra-se presente no tempo, na História, mas também na eternidade. Ambas as realidades se “desenrolam a par”.

Esta capacidade de “ver e fazer ver”, muitas vezes utilizando a redução ao absurdo, o grotesco e o paradoxo, fez o filósofo marxista Ernst Blöch afirmar que Chesterton foi um dos homens mais inteligentes que alguma vez existiu (Bloch fez parte do chamado círculo Max Weber, tendo privado com Lukács, Karl Jaspers, Adorno, Walter Benjamin, Kurt Weil, Berthold Brecht).

A mente não lida com factos que inventou, como num sonho, mas sim com factos que encontrou, como na ciência: uma cerejeira dá cerejas. A repetição não torna as coisas menos apetecíveis: eu vejo todos os dias a minha mulher e os meus filhos e essa visão não me cansa (se eu sou um homem são); uma vez que a minha morte é inevitável, eu sinto-me agradecido por ter mais um dia de vida e poder olhar a luz do dia. Dizia Santo Agostinho: “O nascimento de qualquer bebé é muito mais milagroso do que a ressurreição de Lázaro.”
 
 


O encerramento na dialética dos opostos:


Frequentemente as pessoas são colocadas entre a opção de uma criação ou de uma evolução para a origem da vida. Acontece que estas premissas são falsas. Não há nada na evolução que faça dela o contrário da criação, pela simples razão de que toda a criação continua no presente e de que sem evolução a criação não faria sentido, na medida em que o desenvolvimento é uma etapa necessária no processo da vida. A criação não nasce acabada, mas incompleta; vem a este mundo completar-se.

A realidade não é contraditória, é multiforme e paradoxal. É o homem que a percebe como contraditória. Por exemplo, as mais famosas heresias tomavam Cristo apenas como homem (heresia ariana e Islão) ou apenas como espírito (heresia gnóstica e albigense). A Igreja e os primeiros apóstolos sempre insistiram que Cristo era um homem, que foi tocado, que falou, que sofreu, tal como é Deus. Por outro lado, Chesterton sempre insistiu que um homem não é nada sem o seu corpo, porque um fantasma não é um homem, nem sem o seu espírito, porque um cadáver também não é um homem. Um homem é simultaneamente corpo e espírito como o atestam a sua natureza criadora, a moral e a noção de dignidade, que se expressa pela vergonha ou se desequilibra no orgulho.


No caso da criação é mais fácil ao homem discutir como se a criação tivesse acontecido, fosse uma coisa do passado, e não estivesse continuamente a acontecer. No entanto, nós somos testemunhas e actores vivos da criação. Essa miopia resulta da natureza da criação humana. Aquilo que o homem cria não possui em si a característica de incompletude com a possibilidade de se auto-completar. As criações humanas, técnicas ou artísticas, encerram em si mesmas a sua finalidade; a sua finalidade é imutável e é sempre aparente. Podem ser objecto de múltiplas interpretações mas não mudam por elas próprias, não se completam. Quando a artista ou o engenheiro termina elas estão completas, não possuem capacidade de se completarem.



 


As coisas contraditórias possuem algo de semelhante, de outro modo nunca poderiam ser contraditórias
 

Nós nunca poderíamos afirmar que uma tartaruga a correr é o oposto de uma lebre se elas não partilhassem a qualidade da velocidade. Uma tartaruga nunca poderá ser mais lenta que um triângulo isósceles. Para definir um oposto é necessário efectuar uma comparação, pelo que ser oposto é, paradoxalmente, partilhar uma determinada propriedade. A realidade não é contraditória, é paradoxal.


 
A compartimentação: da inexistência das coisas à inexistência das categorias

 
Pessoas como Hegel e Nietzsche defendiam que o que realmente existe é um processo de transformação e não coisas, na medida em que as coisas estão em permanente transformação. Contudo, o processo como absoluto requere que o tempo seja absoluto; por outro lado, se não existirem coisas, se não existir objecto, não existe sujeito, não existe alteridade, não existe pensamento. É a negação da própria existência e do próprio pensamento, mesmo do pensamento que isto afirma. É uma antinomia.
Se para Wells e os seus mestres nominalistas, como Guilherme de Ockam, não existirem categorias, mas apenas coisas particulares, como poderemos continuar a falar de homens, de cadeiras ou de automóveis, em geral? O homem vê a diferença nas coisas, mas também procura ligar as coisas entre si por meio da lógica e da razão. Apesar de existirem cadeiras muito diferentes umas das outras, algo deverão ter elas em comum para que lhes não chamemos bicicletas.
Não podemos oscilar apenas entre o extremo de dizer que não existem coisas e o outro extremo de afirmar que só existem coisas, sem qualquer ligação entre elas. A dialética da vida exige um pouco mais. O pensamento liga as coisas entre si. Neste sentido, Chesterton usa a razão e a lógica de uma forma mais adequada do que os racionalistas; é mais racional que os simples racionalistas.



 
Entre a Loucura e a Sanidade

 
O que caracteriza o louco é ele encontrar sempre um sistema que abarca quer a sua afirmação quer a sua justificação. Se uma pessoa diz que é vítima de uma conspiração não adianta negar com o argumento de que todas as pessoas negam fazer parte dessa conspiração. Isso é a própria definição de conspiração.
Se alguém diz ser Jesus Cristo não adianta negar afirmando que toda a gente nega que essa pessoa é Deus. Ora, foi isso precisamente o que fizeram a Jesus Cristo.
A loucura é inteiramente lógica e nunca será desmontada pela lógica. A dialética de Hegel nunca retirará Hegel do seu castelo ou Freud do seu inconsciente ou Marx do seu partido, para considerar os monismos mais populares.
A solução terá que ser diferente, fora do sistema. Poder-se-ia responder: eu acredito que a sua explicação explica muita coisa mas não haverá outras tantas coisas que ficam por explicar?
“Quer então dizer que o senhor é o Criador e o Redentor do mundo; mas esse mundo deve ser pequeno! O senhor deve habitar num céu muito reduzido, em que os anjos pouco maiores são do que borboletas! Que triste deve ser ser-se Deus; e ainda por cima um Deus tão imperfeito! Não haverá de facto vida mais cheia, amor mais maravilhoso do que o seu? Será realmente na sua pobre e dolorosa compaixão que todos os homens devem confiar? Já pensou quão mais feliz se sentiria, quão mais alargada seria a sua existência, se um martelo de um Deus superior pudesse esmagar-lhe o seu pequeno cosmos, dispersando as estrelas como lantejoulas, e deixando-o na rua, livre, como são livres os outros homens, com a possibilidade de olhar para baixo, mas também para o alto?”
“Uma pessoa não consegue libertar-se de uma doença mental por via do raciocínio porque é precisamente o seu órgão do raciocínio que está doente, ingovernável e autónomo. O único modo de o salvar é através da vontade ou da fé. Se for só a razão a funcionar, andará às voltas no interminável círculo da lógica como quem anda numa linha circular no metropolitano. A menos que realize o acto místico de sair do metropolitano. É necessário um acto voluntário, um acto místico, fechar definitivamente uma porta: sair do metropolitano!”

“Se a tua cabeça é para ti ocasião de pecado, corta-a, porque é preferível entrares no céu como um imbecil do que seres internado num manicómio com o intelecto intacto!”

O louco tem uma ideia que explica tudo, livre da hesitação e complexidade que caracterizam a pessoa sã. Apresenta a combinação de uma razão expansiva com um limitado senso comum. Falta-lhe o sentido ilativo. O senso comum é inteiramente racional e indispensável ao equilíbrio que impede o homem da deriva intelectual, porque de são e de louco, todos temos um pouco. A loucura está logo ali, à porta, e a política está cheia de exemplos desse tipo de desequilíbrio racional.





O Equilíbrio Paradoxal

 



Para Chesterton, quando uma virtude não é equilibrada por um conjunto de outras virtudes, torna-se louca. Assim, a compaixão pelos pobres é uma coisa boa, mas se isso significar o não respeito pela pessoa humana, passa de caridade ou amor, a totalitarismo. Tal como a crença na omnipotência de Deus tem que ser vista na perspectiva da vontade de Deus em manter os seus filhos como criaturas livres. O desequilíbrio leva por um lado ao determinismo e por outro lado à libertinagem. A castidade pode ser uma coisa boa se for equilibrada pelo relacionamento sexual entre dois seres que partilham a sua vida. O desequilíbrio leva ao estoicismo pessimista ou à luxúria gnóstica. A propriedade é um direito divino, mas se não for equilibrada pela noção de liberdade e dignidade humana, pode levar ao poder das oligarquias que nunca servem os interesses do homem: o socialismo ou o capitalismo.


 
Entre a Dialética dos loucos: outra forma de Equilíbrio Paradoxal

 
"O materialista compreende tudo mas nem tudo é para ser compreendido, sobretudo aquilo que escapa ao seu conhecimento. É um cosmos completo mas mais pequeno que o nosso mundo. Não leva em conta as coisas reais que existem no mundo: o primeiro amor, os povos que se combatem, o orgulho nos filhos, o medo do mar. O mundo é tão grande e este cosmos é tão pequenino! É uma completude que é uma incompletude. Se o homem que está encerrado no manicómio é Deus, não é um grande Deus e se o cosmo do materialista é o verdadeiro cosmos, não é grande cosmos. A divindade é menos divina que muitos homens e a vida é, no seu todo, muito mais cinzenta que muitos dos aspectos dessa mesma vida. A coisa encolheu, dá a impressão que a parte é mais completa que o todo.

Claro que a filosofia materialista é muito menos ampla do que qualquer religião. O cristão encontra-se limitado pelo facto de ter que acreditar que o cristianismo é verdadeiro, para continuar a ser cristão; da mesma forma que o ateu está impedido de acreditar que o ateísmo é falso, para continuar a ser ateu.
Mas o materialismo limita muito mais do que estes dois tipos de espiritualismo. O cristão está convencido que uma parte do universo é determinista e tem que obedecer a leis e a desenvolvimento inevitável. Contudo admite excepções, que o universo é variado e que nem tudo é determinismo. Admite mesmo que é complexo e qualquer homem são admite que ele mesmo é um ser complexo.
O materialista vê a história como uma cadeia de causas e efeitos; tal como o louco, está absolutamente convencido que é uma galinha ou que é Deus. Os materialistas e os loucos nunca têm dúvidas. O mundo do materialista é simples e sólido, tal como o louco tem a absoluta certeza que está são".




A Dialética do homem são: o sentido místico da realidade

 
"Qualquer homem são sabe que tem uma parte animal, uma parte de demónio, uma parte de santo, uma parte de cidadão; um homem que de facto seja são sabe que também tem uma parte de louco.
As afirmações espiritualistas não limitam a mente do mesmo modo como o fazem as negações materialistas. Eu posso acreditar na vida eterna sem necessitar de pensar no problema da vida eterna, mas se eu não acreditar na vida eterna não posso sequer pensar no problema da vida eterna. Num caso encontra-se um caminho aberto que podemos percorrer até onde quisermos, no outro encontra-se um caminho fechado.
Sem discutir a verdade de qualquer uma das proposições, espiritualista ou materialista, podemos constatar a sua completude e incompletude. O mundo do materialista é um mundo cinzento; lógico, mas cinzento. Nele não cabem todas aquelas fascinantes dimensões da humanidade: a cortesia, a esperança, a coragem, a poesia, o espírito de iniciativa, o grande amor. Tudo o que é intrinsecamente e mais intensamente humano.
O materialismo não é uma força libertadora. A sua liberdade de pensamento apenas serve para destruir a liberdade de acção.
Mas existe aquele tipo de céptico que acredita que tudo começou nele. Foi ele quem fez o próprio pai e a própria mãe; os amigos são uma mitologia por si construída. Um homem pode acreditar que se encontra permanentemente dentro de um sonho, sem que essa crença possa ser destruída pela argumentação, mas se ele decidir atear o fogo a Londres enquanto toma o pequeno almoço, pode ser que nunca mais o possa tomar em casa.
Uma pessoa que não acredita nos dados dos sentidos ou uma pessoa que só acredita nos dados dos sentidos, estão ambas loucas, mas a sua loucura não é demonstrada por um erro de argumentação mas pelo manifesto erro que é a vida de cada uma delas.
A marca característica da loucura é o uso da razão desprovida de raízes, a razão no vazio. O intelectualismo distanciado é apenas luar, porque é luz sem calor, uma luz secundária reflectida de um mundo morto. O círculo da lua é tão nítido e inconfundível, tão recorrente e inevitável, como um círculo de Euclides desenhado num quadro. A lua é inteiramente racional, é a mãe de todos os lunáticos; a todos forneceu o seu nome.
Já o homem comum é um místico. Sempre admitiu o crepúsculo. Sempre se permitiu duvidar dos seus deuses, mas sempre se permitiu acreditar neles. Sempre se interessou mais pela verdade do que pela consistência. Se encontrasse duas verdades que se contradissessem, aceitava as duas verdades e a contradição. Tem uma visão espiritual que é, como a sua visão física – estereoscópica: vê duas imagens diferentes ao mesmo tempo mas isso permite-lhe ver melhor. Sempre acreditou no destino mas sempre acreditou na liberdade. Sempre acreditou que o reino dos céus é das crianças mas que elas devem ser obedientes na Terra. Admirava a juventude porque era impetuosa e a velhice porque era experiente. É precisamente este equilíbrio de contradições aparentes que tem permitido ao homem são manter-se à superfície.
O lógico louco pretende tornar lúcidas todas as coisas e apenas consegue torná-las todas misteriosas. O místico permite que uma coisa seja misteriosa e tudo o resto se torna lúcido. O segredo do misticismo é apenas este: o homem pode compreender tudo com a ajuda daquilo que não compreende. A única coisa criada para a qual não podemos olhar é aquela coisa à luz da qual olhamos para tudo. Tal como o sol do meio dia, também o misticismo explica tudo o resto pelo brilho da sua própria e misteriosa invisibilidade".

 António Campos

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Chesterton Para Principiantes - Dialética: Entre o Optimismo e o Pessimismo







O materialismo filosófico possui várias dimensões. Talvez a mais importante seja a da
indiferença perante a origem sobrenatural e o destino do homem. Toma a premissa de que a matéria física é a única realidade cognoscível. O pensamento pós-darwiniano foi essencialmente materialista, mecanicista, nominalista e monista. A maioria dos ismos do séc. XIX – liberalismo, racionalismo, marxismo, positivismo, agnosticismo – são antropocêntricos e materialistas. As teorias naturalistas foram construídas como métodos de análise e captura da realidade. O volte-face mais importante deu-se a partir da filosofia analítica pós-darwiniana e da psicologia subjectiva freudiana, ligando toda a vida mental exclusivamente a factores de natureza biológica e empírica. Freud, ao sugerir um enorme iceberg determinante do comportamento humano, pretende lançar as maiores dúvidas sobre a validade da razão humana e do homem como ser racional. Em 1913, o behaviorismo apagou as diferenças entre o homem e o animal ao postular o mecanismo estímulo-resposta como o único elemento justificativo do funcionamento da mente.


A filosofia materialista conduziu a duas conclusões diferentes:

- Para Herbert Spencer e Huxley, darwinista, existia uma visão optimista do futuro alicerçada numa inevitabilidade do progresso evolucionista. Os positivistas como Comte também acreditaram numa crescente organização social, política e religiosa no caminho fixo rumo à perfeição.

- A outra conclusão era a de que o homem estaria refém de um universo mecanicista, indiferente, e das forças da natureza, que exerceriam uma força arbitrária sobre ele – o dilema do homem pré-determinado e enclausurado. Incapaz de determinar o seu destino, o homem cessa a sua condição de ser moral.

O materialismo filosófico moderno é, pois, ou optimista ou pessimista. A teologia do livre arbítrio e do pecado foi pois rejeitada em favor de um comportamento naturalista determinado por forças biológicas, psicológicas ou sociológicas. A concepção de uma razão inata e de uma ética universal foi substituída pela concepção pragmática de que não existem realidades prévias impressas na natureza humana ou no universo e a de que as normas morais, a ética social e a lei, evoluem naturalmente como resultado da  contingência e da experiência.

Para os pessimistas o homem encontra-se excluído da redenção. Para os optimistas o homem redime-se a si mesmo. A Encarnação, a cruz, a ressurreição, ficam esvaziadas de significado. Pio X na encíclica Pascendi Dominici Gregis classificou o modernismo como a síntese de todas as heresias. Os modernistas, influenciados por Henri Bergson, rejeitaram a ideia de que a fé é de natureza intelectual. Defendiam que Deus era mais conhecido pelas emoções do que pela razão e de que o dogma resultava da experiência concreta e se encontrava sob a influência do processo evolutivo. Partilhavam as premissas neo-kantianas de que o sobrenatural não podia ser apreendido pelo conhecimento racional. Essa foi a premissa de Nietzsche.



Qual a natureza do ser e da existência? Existe uma realidade externa ao sujeito pensante? Como se explica o pensamento? Como se comunica Deus com o homem? Existe uma estrutura moral no universo apreensível por todos? Estas são as grandes questões filosóficas e epistemológicas.

Chesterton responde dizendo que existe uma realidade de objectos tangíveis fora de nós próprios. A realidade existe. A certeza e a consciência existem. O conhecimento inicia-se com o que apreendemos pelos sentidos mas é completado pelo intelecto conceptual (comum a todos os homens) que é capaz de intuir a natureza essencial das coisas.
Portanto, a verdade absoluta e universal existe e está disponível a todos os homens mediante o uso da razão. A razão separa o homem dos animais e liga-o a Deus. O intelecto segue o trajecto que o conduz a Deus mediante a busca da causa primeira e da razão suficiente de todas as coisas. A fé é, então, uma faculdade do intelecto e o produto de um processo racional.

Quer o idealismo, quer o pragmatismo, quer o materialismo, quer o cepticismo, quer o utilitarismo, carecem de senso comum, produzindo apenas dúvida e desespero, e espalham as sementes do permissivismo moral e do julgamento privado subjectivo. O homem oscila então entre sujeito ou ordenador de uma moral sempre em mudança ou objecto de uma tirania da lei da selva, à qual se tem que cegamente submeter, como apenas mais um dos animais. Numa versão é um deus de um universo pequeno – aquele que tem dentro da sua cabeça -, na outra é um mero objecto minúsculo das forças terríveis de um universo monstruoso e inexorável; mera folha seca açoitada pelo vento, abandonado ao determinismo da natureza e da História.



Para Chesterton, o homem é dotado de livre-arbítrio, sendo responsável pelas suas acções morais. Essa responsabilidade implica uma fonte externa para a moralidade e uma aplicabilidade universal, para manter a igualdade e justiça perante todos os homens. Mas o homem também possui a faculdade do arrependimento. Ao escolher tal via o homem reencontra o caminho da virtude. O facto de o homem ser pequeno não o inferioriza no universo, pois no universo as coisas pequenas têm o mesmo poder das grandes, como o atesta a microscopia e a ultra-estrutura. O homem não é menos importante do que a girafa ou o elefante. Por outro lado, se o homem não se colocar numa posição pequena, i.e., de humildade, não franqueia a porta do conhecimento. Conhecer é aprender e só aprende quem escuta e age, não quem pensa ser a fonte do próprio conhecimento.

O que o tomismo ataca no modernismo são as suas premissas formais, neo-kantianas: o ênfase no sujeito do conhecimento em vez de no objecto, e a assumpção de limites no intelecto racional para a apreensão de uma realidade universal. O tomismo assume um antagonismo relativamente à ideia de uma realidade instável, mera mudança ou fluxo, traduzindo-se numa oposição aos subjectivistas neo-kantianos, como Dewey e Bertrand Russell, que defendiam precisamente que os conceitos e o conhecimento conceptual são mutáveis e modificáveis (se é que o conceito precisamente se lhes pode ser aplicado, seguindo o seu próprio raciocínio).

Contrariamente a subjectivistas como Freud, Lawrence, James Joyce, Franz Kafka e Nietzsche, que viam no irracional submerso “cá dentro” a origem última das coisas, o tomismo acreditava numa realidade externa, na validade dos sentidos e da razão para a alcançarem e na existência de verdades universais e imutáveis.



Cada idade rescreve a História para coincidir com a sua própria visão da realidade.




António Campos